"DESENGANO DO MUNDO"



Porque permites Deus que eu viva
sem sorrir um sorriso de meu
de meu fado que tão triste me traz
as memórias de um viver tão mordaz
que alegra os outros, não eu.

Porque permites Deus que eu viva,
essa vida que levo sozinho.
Já nem sei se eu sou mais eu mesmo,
pelos prados eu ando a esmo.
Pedra e espinhos me cruzam o caminho.

Porque permites Deus que eu viva,
a sonhar estes sonhos errantes,
que habitam meu sono profundo,
me exilam pra longe do mundo,
num suplício demais delirante.

Porque permites Deus que eu viva.
a vagar com minh’alma doente.
Nesta terra de amores impuros,
neste vale de olhares escuros,
sendo eu um poeta demente.

Porque permites Deus que eu viva,
se meus olhos são turvos de pranto.
Por correr em minhas veias essa estranha amargura,
que tanto me vem que até se afigura,
na quimera que surge entre as frestas de um manto.

Porque permites Deus que eu viva,
se não posso sequer uma vez ser amado.
Que não faça promessa em noite enluarada,
que não ouça a voz da pessoa amada,
pedindo pra sempre eu estar a seu lado.

Se queres meu Deus que mais ainda eu viva,
me ensine a viver minha vida sem vida.
Me mostre o caminho da felicidade,
senão concedei-me por enorme piedade,
o pedido que trago nessa prece perdida.

“Não permitas mais, meu Deus, que eu viva”.

CLAY REGAZZONI
(direitos reservados ao autor) 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Máquina do Mundo (Carlos Drummond de Andrade)

DIA DA CRIAÇÃO - Vinícius de Moraes (Porque hoje é sábado.)

POEMA - "NÔMADE"