"AS SOMBRAS DO AMANHÃ"
Peregrinando por um beco gélido de
sombras enfadonhas, desconsolo-me à pálida
ignescência de meu descarnado coração. Inebriado
pelo ópio dos desejos corrompidos pelo adejar da quimera perdida, e pelo
fogo de constelações extintas há milênios, onde se esquece à pureza
das flores.
Cartas suicidas não desvirtuam meus olhos
conscientes. A inexaurível soturnidade em
que se hiberna o ermo âmago de minha encarnada alma
deturpa-me o espírito.
As sombras dolosas do amanhã incerto
ecoam glacialmente por minhas exangues veias,
degradando as ilusões que outrora se degredaram na aurora de meus devaneios.
De mim já não faço mais parte. Não
consigo voar com minhas asas quebradas e meu coração ferido. Dou uma volta fora
de minha consciência, vejo em meus úmidos soluços de compaixão o repúdio
indefinível de minhas esperanças.
Sublinho o meu olhar irresoluto
tentando caminhar através da dor, mas o copo enche até a borda e me afogo num
inesgotável sofrimento.
Há um buraco em minha alma. Tento me
equilibrar entre dias e noites como um espinho fora da rosa. Pairo sobre o
píncaro de meu desconcerto onde as alvas ninfas rejubilam-se de maldade.
As turvas lágrimas acres de minha
cólera secam o soar do trêmulo silêncio mortal que dilacera o amanhã.
Tentei aprender a caminhar antes de
aprender a rastejar, mantive as janelas da alma abertas esperando para o azul da
manhã, mas só colhi em minhas vísceras um delírio arrepiante que mortifica a
mente.
A vida é uma viagem, e não um destino.
A indignação e o escárnio definham sorrateiramente o meu acreditar.
A mitológica sombra do amanhã perdido
se dispersa melancolicamente aguda por entre minha infortunada existência, com
sua sinfonia negra de sensações incompatíveis, com a austeridade do ódio de
verdades e com as máculas que amargam meu entregar.
Não é coincidência minha indiferença.
O negro crepúsculo que afaga meu envelhecer vem triunfante, oprimindo o meu
cúmplice desejo de correr entre os sândalos demoníacos da imensidão inesgotável
de minhas secas lágrimas.
O equivocado bálsamo do machado que
por minha morte me libertará, estigmatizou em meu espírito as chagas da
escuridão dos pesadelos que me assombram mordazmente num suplício atroz.
Açoita-me a idéia de um novo
alvorecer. Caio prostrado, cansado, liberto de todo desejo de viver.
Meu auto-exílio nada mais é que manter meu coração na solidão.
E quando tudo se acabar,
levantar-me-ei de meu sepulcro, dentre os resquícios de minhas lembranças,
reerguer-me-ei sobre os meus próprios destroços, e assim, como um louco
murmurando verdades, suportarei os desafios de meu vão lutar, e mesmo
derrotado, morto, ensangüentado, enfrentarei as sombras do amanhã.
CLAY
REGAZZONI
( todos direitos
reservados ao autor)
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