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Mostrando postagens de março, 2017

Ode a uma estrela - Pablo Neruda

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Ao subir à noite no terraço de um arranha-céu altíssimo e aflitivo pude tocar a abóboda noturna e em um ato de amor extraordinário apoderei-me de uma estrela celeste. Era uma noite negra e eu deslizava pelas ruas com a estrela roubada em meu bolso. De trêmulo cristal parecia e era num átimo como se levasse um pacote de gelo ou uma espada de arcanjo na cintura. Guardei-a, temeroso, debaixo da cama para que ninguém a descobrisse, sua luz porém atravessou primeiro a lã do colchão, depois as telhas, e o telhado da minha casa. Incômodos tornaram-se para mim os afazeres mais comuns. Sempre com essa luz de astral acetileno que palpitava como se quisesse retornar para a noite, eu não podia dar conta de todos os meus deveres cheguei a esquecer de pagar as minhas contas e fiquei sem pão nem mantimentos.  Enquanto isso, na rua, se amotinavam transeuntes, boêmios vendedores atraídos sem dúvida pelo insólito clarão que viam sair de minha janela. Então recolhi outra vez minha estrela, com c

A VALSA : Casimiro de Abreu

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Tu, ontem, Na dança Que cansa, Voavas Co'as faces Em rosas Formosas De vivo, Lascivo Carmim; Na valsa Tão falsa, Corrias, Fugias, Ardente, Contente, Tranqüila, Serena, Sem pena De mim! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas... — Eu vi!... Valsavas: — Teus belos Cabelos, Já soltos, Revoltos,  Saltavam, Voavam, Brincavam No colo Que é meu; E os olhos Escuros Tão puros, Os olhos Perjuros Volvias, Tremias, Sorrias, P'ra outro Não eu! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas... — Eu vi!... Meu Deus! Eras bela Donzela, Valsando, Sorrindo, Fugindo, Qual silfo Risonho Que em sonho Nos vem! Mas esse Sorriso Tão liso Que tinhas Nos lábios De rosa, Formosa, Tu davas, Mandavas A quem

"AS SOMBRAS DO AMANHÃ"

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            Peregrinando por um beco gélido de sombras enfadonhas,  desconsolo-me à pálida ignescência de meu descarnado coração.   Inebriado pelo ópio dos desejos corrompidos pelo adejar da  quimera perdida, e pelo fogo de constelações extintas há milênios,  onde se esquece à pureza das flores.   Cartas suicidas não desvirtuam meus olhos conscientes. A  inexaurível soturnidade em que se hiberna o ermo âmago de  minha encarnada alma deturpa-me o espírito.    As sombras dolosas do amanhã incerto ecoam glacialmente por minhas  exangues veias, degradando as ilusões que outrora se degredaram na aurora de meus devaneios.    De mim já não faço mais parte. Não consigo voar com minhas asas quebradas e meu coração ferido. Dou uma volta fora de minha consciência, vejo em meus úmidos soluços de compaixão o repúdio indefinível de minhas esperanças.     Sublinho o meu olhar irresoluto tentando caminhar através da dor, mas o copo enche até a borda e me afogo num inesgotável sofrimento