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Mostrando postagens de setembro, 2017

“CARTAS DE MEU AVÔ”

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Manuel Bandeira A tarde cai, por demais Erma, úmida e silente... A chuva, em gotas glaciais, Chora monotonamente. E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado e só, As cartas que meu avô Escrevia a minha avó. Enternecido sorrio Do fervor desses carinhos: É que os conheci velhinhos, Quando o fogo era já frio. Cartas de antes do noivado... Cartas de amor que começa, Inquieto, maravilhado, E sem saber o que peça. Temendo a cada momento Ofendê-la, desgostá-la, Quer ler em seu pensamento E balbucia, não fala... A mão pálida tremia Contando o seu grande bem. Mas, como o dele, batia Dela o coração também. A paixão, medrosa dantes, Cresceu, dominou-o todo. E as confissões hesitantes Mudaram logo de modo. Depois o espinho do ciúme... A dor... a visão da morte... Mas, calmado o vento, o lume Brilhou, mais puro e mais forte. E eu bendigo, envergonhado, Esse amor, avô do meu... Do meu, — fruto sem cuidado Que ainda verde apodreceu. O meu semblante est

Elevação – Charles Baudelaire

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Acima dos valões, acima dos quintais, Das montanhas, dos bosques, das nuvens, dos mares, Muito depois do sol, dos campos estelares, Muito além dos confins das esferas astrais, Espírito meu, voas com agilidade; Como o bom nadador que na onda se excita, Mergulhas com prazer na amplidão infinita, Na indizível volúpia da virilidade. Decola para longe deste chão doente, Vai te purificar no ar superior E sorver o límpido, divino licor Da clara luz que inunda o espaço transparente. Em meio a infortúnio, mágoa e veneno, Que tornam mais pesada esta vida brumosa, Feliz de quem puder com asa vigorosa Alçar vôo no céu luminoso e sereno; Quem tiver pensamentos como a passarada Que no ar da manhã revoa em liberdade — Quem planar sobre a vida, entender a verdade, Na linguagem da flor e das coisas caladas! Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual